29/12/09
As nuvens são sombrias
As nuvens são sombrias
Mas, nos lados do sul,
Um bocado do céu
É tristemente azul.
Assim, no pensamento,
Sem haver solução,
Há um bocado que lembra
Que existe o coração.
E esse bocado é que é
A verdade que está
A ser beleza eterna
Para além do que há.
(Fernando Pessoa)
28/12/09
Se sou alegre ou sou triste?...
Se sou alegre ou sou triste?...
Francamente, não o sei.
A tristeza em que consiste?
Da alegria o que farei?
Não sou alegre nem triste.
Verdade, não sou o que sou.
Sou qualquer alma que existe
E sente o que Deus fadou.
Afinal, alegre ou triste?
Pensar nunca tem bom fim...
Minha tristeza consiste
Em não saber bem de mim...
Mas a alegria é assim...
Fernando Pessoa
Se sou alegre ou sou triste?...
Francamente, não o sei.
A tristeza em que consiste?
Da alegria o que farei?
Não sou alegre nem triste.
Verdade, não sou o que sou.
Sou qualquer alma que existe
E sente o que Deus fadou.
Afinal, alegre ou triste?
Pensar nunca tem bom fim...
Minha tristeza consiste
Em não saber bem de mim...
Mas a alegria é assim...
Fernando Pessoa
17/12/09
07/12/09
Eu
SOU LOUCO e tenho por memória
Uma longínqua e infiel lembrança
De qualquer dita transitória
Que sonhei ter quando criança.
Depois, malograda trajetória
Do meu destino sem esperança,
Perdi, na névoa da noite inglória,
O saber e o ousar da aliança.
Só guardo como um anel pobre
Que a todo herdeiro só faz rico
Um frio perdido que me cobre
Como um céu dossel de mendigo,
Na curva inútil em que fico
Da estrada certa que não sigo.
Fernando Pessoa
Poesias Inéditas
SOU LOUCO e tenho por memória
Uma longínqua e infiel lembrança
De qualquer dita transitória
Que sonhei ter quando criança.
Depois, malograda trajetória
Do meu destino sem esperança,
Perdi, na névoa da noite inglória,
O saber e o ousar da aliança.
Só guardo como um anel pobre
Que a todo herdeiro só faz rico
Um frio perdido que me cobre
Como um céu dossel de mendigo,
Na curva inútil em que fico
Da estrada certa que não sigo.
Fernando Pessoa
Poesias Inéditas
04/12/09
03/12/09
Há no firmamento
Há no firmamento
Um frio lunar.
Um vento nevoento
Vem de ver o mar.
Quase maresia
A hora interroga,
E uma angústia fria
Indistinta voga.
Não sei o que faça,
Não sei o que penso,
O frio não passa
E o tédio é imenso.
Não tenho sentido,
Alma ou intenção...
'Stou no meu olvido...
Dorme, coração...
Fernando Pessoa
02/12/09
Brincava a criança
Brincava a criança
Brincava a criança
Com um carro de bois.
Sentiu-se brincado
E disse, eu sou dois !
Há um brincar
E há outro a saber,
Um vê-me a brincar
E outro vê-me a ver.
Estou atrás de mim
Mas se volto a cabeça
Não era o que eu qu'ria
A volta só é essa...
O outro menino
Não tem pés nem mãos
Nem é pequenino
Não tem mãe ou irmãos.
E havia comigo
Por trás de onde eu estou,
Mas se volto a cabeça
Já não sei o que sou.
E o tal que eu cá tenho
E sente comigo,
Nem pai, nem padrinho,
Nem corpo ou amigo,
Tem alma cá dentro
'Stá a ver-me sem ver,
E o carro de bois
Começa a parecer.
Fernando Pessoa Poesias Inéditas
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