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27/04/10

O regresso



"Lá vem a Nau Catrineta

Que tem muito que contar.

Ouvi, agora, Senhores

Uma história de pasmar..."

A Mãe correu à varanda,

Bem longe de imaginar

Que o alarme desejado

Vinha dum cego a cantar:

"Passava mais de ano e dia

Que iam na volta do mar,

Já não tinham que comer,

Já não tinham que manjar..."

A Mãe abriu num soluço

O coração a sangrar,

Porque a sola era tão rija

Que a não podiam tragar...

"Deitam sortes à ventura

Qual se havia de matar".

(A Mãe tinha pão na arca

E não lho podia dar!)

"Logo foi cair a sorte..."

(Que sorte tão singular!).

O gageiro olhava, olhava,

Mas só via céu e mar...

"Alvíssaras, Capitão..."

E o vento a enrodilhar

A voz do homem da gávea

Na do ceguinho a cantar!

"A minha alma é só de Deus,

O corpo dou-o eu ao mar..."

A Mãe, que nada podia,

Já só podia rezar...

"Deu um estoiro o demónio,

Acalmaram vento e mar.

" E quando o cego acabou

Estavam em terra a varar...

Miguel Torga

15/04/10

Poema dum Funcionário Cansado

A noite trocou-me os sonhos e as mãos
dispersou-me os amigos
tenho o coração confundido e a rua é estreita
estreita em cada passo
as casas engolem-nos
sumimo-nos
estou num quarto só num quarto só
com os sonhos trocados
com toda a vida às avessas a arder num quarto só
Sou um funcionário apagado
um funcionário triste
a minha alma não acompanha a minha mão
Débito e Crédito Débito e Crédito
a minha alma não dança com os números
tento escondê-la envergonhado
o chefe apanhou-me com o olho lírico na gaiola do quintal em frente
e debitou-me na minha conta de empregado
Sou um funcionário cansado dum dia exemplar
Por que não me sinto orgulhoso de ter cumprido o meu dever?
Por que me sinto irremediavelmente perdido no meu cansaço
Soletro velhas palavras generosas
Flor rapariga amigo menino
irmão beijo namorada mãe estrela música
São as palavras cruzadas do meu sonho
palavras soterradas na prisão da minha vida
isto todas as noites do mundo numa só noite comprida
num quarto só.
Poema - António Ramos Rosa

10/04/10

Bom fim de semana

recados para orkut

06/04/10

A Criança Que Ri na Rua



A CRIANÇA que ri na rua,

A música que vem no acaso,

A tela absurda, a estátua nua,

A bondade que não tem prazo -


Tudo isso excede este rigor

Que o raciocínio dá a tudo,

E tem qualquer cousa de amor,

Ainda que o amor seja mudo
(Fernando Pessoa)