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27/04/10

O regresso



"Lá vem a Nau Catrineta

Que tem muito que contar.

Ouvi, agora, Senhores

Uma história de pasmar..."

A Mãe correu à varanda,

Bem longe de imaginar

Que o alarme desejado

Vinha dum cego a cantar:

"Passava mais de ano e dia

Que iam na volta do mar,

Já não tinham que comer,

Já não tinham que manjar..."

A Mãe abriu num soluço

O coração a sangrar,

Porque a sola era tão rija

Que a não podiam tragar...

"Deitam sortes à ventura

Qual se havia de matar".

(A Mãe tinha pão na arca

E não lho podia dar!)

"Logo foi cair a sorte..."

(Que sorte tão singular!).

O gageiro olhava, olhava,

Mas só via céu e mar...

"Alvíssaras, Capitão..."

E o vento a enrodilhar

A voz do homem da gávea

Na do ceguinho a cantar!

"A minha alma é só de Deus,

O corpo dou-o eu ao mar..."

A Mãe, que nada podia,

Já só podia rezar...

"Deu um estoiro o demónio,

Acalmaram vento e mar.

" E quando o cego acabou

Estavam em terra a varar...

Miguel Torga

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